Gênero Causos
O povo mineiro tem a fama de ser bom contador
de causos, histórias que nem sempre é possível comprovar se são verdadeiras - e
aí reside o encanto delas. Saborosas, fantásticas, às vezes amedrontadoras, às
vezes engraçadas, e passadas de geração em geração, elas são contadas por vozes
que, com sotaque e expressões interioranas, entonação e ritmo certos, capturam
a atenção.
O caso do espelho

Ilustração: Alarcão
Era um homem que
não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós
da mata.
Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:
- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?
- Isso é um espelho - explicou o dono da loja.
- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.
Os olhos do homem ficaram molhados.
- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante.
O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira.
- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?
O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho
Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.
A mulher ficou só olhando.
No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.
- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!
- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.
- Que foi isso, mulher?
- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?
- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.
- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!
O homem não estava entendendo nada.
- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:
- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?
A discussão fervia feito água na chaleira.
- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.
A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.
- Que é isso, menina?
- Aquele cafajeste arranjou outra!
- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.
- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!
A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato.
Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.
- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!
E completou, feliz, abraçando a filha:
- Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!
Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:
- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?
- Isso é um espelho - explicou o dono da loja.
- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.
Os olhos do homem ficaram molhados.
- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante.
O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira.
- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?
O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho
Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.
A mulher ficou só olhando.
No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.
- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!
- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.
- Que foi isso, mulher?
- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?
- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.
- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!
O homem não estava entendendo nada.
- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:
- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?
A discussão fervia feito água na chaleira.
- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.
A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.
- Que é isso, menina?
- Aquele cafajeste arranjou outra!
- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.
- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!
A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato.
Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.
- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!
E completou, feliz, abraçando a filha:
- Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!
Conto popular
recontado por Ricardo Azevedo, ilustrado por Alarcão
Análise da
transcrição de um causo

"Pessoar ... condo o assunto é lobisomi ... Cêis sabe cumo são as coisa, né? A gente condo vai fazer uma
atividade pra tentá discubrir quem é o lobisomi, num podi alarido. Então ... tava
teno lobisomi lá em casa ... condo a gente era pititico. E quem era olobisomi? Ninguém sabia. Má meu pai disse assim eu voupegá esse miserável.
Na cabeça dele, ele fez um dispositivo no galinheiro e o galinheiro era
coberto. Num dava pra sair por
cima, né? Era tela. Na hora
que o lobisomi entrô, ele ficô preso lá dentro. Aí gente,
gente du céu... Cêis num faz ideia
quem era o tar do lobisomi ... Era
o Luizão, marido da minha irmã. É, era ele o lobisomi,
gente ... E aí, como é que
ia fazê? Meu pai fez de tudo para
ele conseguir escapar sem que arguém
discubrisse o que haviaacuntecido e
sem que o Luizão discubrisse que
meu pai soubesse tamém ... E assim foi feito. O Luizão
conseguiu fugir... Tava lá peladão, porque ele disvirou, né? Aí, vortou meio chatiadão, meio injuriado ... Na
próxima sexta-feira, meu pai falou, te pego! Aí meu pai saiu atrais dele ... Ele
chegou num lugar e tirô toda
roupa ... Espojô no chão ... E já saiu virado lobisomi ... E
meu pai foi lá e carmamente e
deu nó em todas as mangas de camisa, perna da carça e deu nó em tudo, que é simpatia pro caboclo nunca
mais vortá avortá a ser lobisomi. Hoje ele é um homi
bão, trabaiadô.. Nunca mais virô
lobisomi. Acredite se quisé.
Ocorreu na nossa famia."
termos informais
marcadores de fala
pausas na narração
falas de um personagem
conjugações verbais
termos informais
marcadores de fala
pausas na narração
falas de um personagem
conjugações verbais
- Como substituir os termos repetidos que prejudicam o desenrolar do causo?
- Quais palavras empregadas por escritores podem ser usadas para melhorar os causos sem descaracterizá-los?
- É preciso reordenar os parágrafos para que a produção ganhe coerência?
- Quais marcas de oralidade devem ser mantidas para não alterar o que foi contado e quais são desnecessárias?
- O que é mais adequado: escrever o texto em primeira pessoa, representando quem contou o causo, ou em terceira pessoa, considerando um narrador?
Denise também enfatiza a importância de tomar decisões que têm a ver com os leitores: eles compreenderão termos e expressões regionais? Qual a necessidade de organizar um glossário?
TEXTO - CAUSO
O contador de causo
Se depender de Seu
Ico, saci existe, ara
Era um
matuto dos bons e vivia num rancho do Rio Pardo, perto de Cajuru. Seu Ico era o
apelido dele. Acreditava em tudo que via e ouvia. E tinha opiniões muito firmes
sobre coisas misteriosas. Adorava contar casos de assombração e outros bichos:
- Fui
numa caçada de veado no primeiro dia da quaresma! Ai ! ai! Ai! Num pode caçá na
quaresma, mas eu num sabia. Aí apareceu a assombração! Arma penada do outro
mundo. E os cachorro disparo. Foro tudo pro corgo pra modi fugi da bicha...
Veado que é bão nem nu pensamento, pruque eis tamem pressintiru a penúria
passanu ali tertu!
- Mas era
assombração mês Esse mundo é surtido!
- Pois no
mundo sortido do seu Ico também tinha saci!
- Quando é o
que o senhor viu saci, seu Ico?
- Ara! Vi a
famia toda, num foi um saci só... Tinha o saci, a sacia gravi, e os sacizim em
riba da mãe, tudo,pulano numa perna
- E o que eles
fizeram ou disseram pro senhor?
- Nada... O
Saci cachaço inda ofereceu brasa pro meu paero. Gardicido! Eu disse... e entrei
pra dentro modi num vê mais as tranquera...
- E
mula-sem-cabeça? Ah, seu Ico garante que existe:
- Essa eu nunca
vi, mas ouvi o rinchando dela umas par de veis... E otro que eu tamem vi foi o
tar de lobisome! Ê bicho fei! Mais num feis nada...desvirô num cachorro preto e
sumiu presse mundão de meu Deus. Agora, em um dia de prescaria, aparece muito é
caboclo d'água. Um caboquim pretim e jeitado que mora dentro do rio...Ah, e tem
que vê tamém o caapora. Bichu fei! E o curupira! Vichi Maria, é fei dimais, tem
pé virado pa trais...
- E com tudo
isso o senhor ainda se arrisca a ir pro meio do mato, seu Ico?
- Pois vô sem
medo! Qué sabe? – Dá uma gargalhada rouca e faz um ar maroto. – Qual! Tenho
muito, mais muito mais medo é de gente vivo!
Globo.com/caipira/
Trabalhando o texto
1) Qual a intenção do
narrador ao fazer as perguntas abaixo?
- Mas era
assombração mesmo seu Ico?
- Quando é o que o
senhor viu saci, seu Ico?
- E o que eles
fizeram ou disseram pro senhor?
2) Além de mostrar ao
leitor os causos de seu Ico, o narrador retrata- o como uma personagem
bem interiorana. Para isso foram usadas algumas expressões ou frases que
identificam seu Ico como tal. Identifique- as.
3) Quais são os seres
sobrenaturais criados por seu Ico?
4) Em um trecho do
texto seu Ico faz referência a uma crendice popular que relaciona a um fato
religioso. Qual é ela?
5) Explique o que seu
Ico quis dizer com as seguintes falas a seguir.
a) Foro tudo pro
corgo pra modi fugi da bicha...
b)... e os sacizim em
riba da mãe, tudo pulano numa perna...
c) Gardicido! Eu
disse...
d) “... Esse mundo é
surtido!...
6) O falar caipira
pode ser considerado errado? Por que?
7) No último
parágrafo do texto o narrador descreve a expressão de seu Ico. Identifique-a.
AQUELE ESTRANHO ANIMAL - Mário Quintana - Valorizando a
Literatura que é daqui!!!
AQUELE ESTRANHO ANIMAL
Mario Quintana
Os do Alegrete dizem que o causo se deu em Itaqui, os de Itaqui dizem
que foi no Alegrete, outros juram que só poderia ter acontecido em Uruguaiana.
Eu não afirmo nada: sou neutro.
Mas, pelo que me contaram, o
primeiro automóvel que apareceu entre aquela brava indiada, eles o mataram
a pau, pensando que fosse um bicho.
A história foi assim como já
lhes conto, metade pelo que ouvi dizer, metade pelo o que inventei, e a outra
metade pelo que sucedeu às deveras. Viram? É deixemos de filosofança e vamos ao
que importa. A coisa foi assim, como eu tinha começado a lhes contar.
Ia um piazinho estrada fora no seu petiço – tropt, tropt, tropt (este é o
barulho do trote) – quando de repente ouviu – fufufupubum! Fufufupubum
chiiiipum!
E eis que a “coisa”, até então
invisível, apontou por detrás de um capão, bufando que nem touro brigão, saltando que nem
pipoca , se traqueando que nem velha coroca, chiando que nem chaleira derramada e largando
fumo pelas ventas como a mula-sem-cabeça.
“Minha Nossa Senhora!”
O piazinho deu meio-volta e largou
numa disparada louca rumo à cidade, com os olhos do tamanho de um pires e os
dentes rilhando,
mas bem cerrados para que o coração aos corcoveios não lhe saltasse pela boca.
É claro que o petiço ganhou luz
do bicho, pois no tempo dos primeiros autos eles perdiam para qualquer matungo.
Chegando que foi, o piazinho
contou a história como pôde, mal e mal e depressa, que o tempo era pouco e não
dava para maiores explicações, pois já ouvia o barulho do bicho que se
aproximava.
Pois bem, minha gente: quando
este apareceu na entrada da cidade, caiu aquele montão de povo em cima dele, os
homens uns com porretes, outros com garruchas que nem tinham tido tempo para
carregar de pólvora, outros com boleadeiras,
mas todos de a pé, porque também nem houvera tempo para montar, e as mulheres
umas empunhando as suas vassouras, outras as suas pás de mexer marmelada, e os guris, de longe, se
divertindo com os seus bodoques,
cujos tiros iam acertar em cheio nas costas dos combatentes. E tudo abaixo de
gritos e pragas que nem lhes posso repetir aqui.
O povo se afastou, resfolegante, e abriu-se uma clareira, no meio da
qual se viu o auto emborcado,
amassado, quebrado, escangalhado, e não digo que morto, porque as rodas ainda
giravam no ar, nos últimos transes de uma teimosa agonia. E quando as rodas
pararam, as pobres, eis que o motorista milagrosamente salvo, saiu penosamente
engatinhando por debaixo dos escombros de seu ex-automóvel.
- A la pucha! – exclamou
então um guasca,
entre espantado e penalizado – o animal deu cria!
A LINGUAGEM DO TEXTO
Este texto de Mário Quintana é
repleto de palavras e expressões típicas da nossa região - o Rio Grande do Sul.
Vamos construir um pequeno dicionário para esclarecer o que essa palavras
signifIcam.
Acesse os links abaixo para
auxiliá-lo no seu trabalho. Pesquise as palavras que estão destacadas no texto,
organizando-as em ordem alfabética e informando o seu significado.
ATIVIDADES DE INTERPRETAÇÃO
1) Sobre o que é o
"causo" contado pelo narrador?
2) De acordo com o texto, é
possível afirmar com certeza onde esse causo aconteceu? Justifique com trechos
do texto.
3) Com o que eles confundiram o
automóvel que apareceu na região?
4) Com o que o carro é comparado
no 5º parágrafo?
5) O que as pessoas usaram para
"combater" o "bicho" que chegara na cidade?
6) O que você acha que o
narrador quis dizer com a expressão 'E tudo abaixo de gritos e pragas que nem
lhes posso repetir aqui."?
7) Por que alguém exclamou
" - o animal deu cria!"?
8) Há, no texto, a
representação escrita de dois sons (onomatopeias). Quais são e o som de que
representam?
9) O narrador do texto é
narrador-personagem ou narrador-observador? Por quê?
10) Em relação ao texto lido,
responda:
a) Qual é o enredo do texto?
b) Qual é a situação inicial?
c) Qual é a complicação
que surge?
d) Qual é a dinâmica de ações
dos personagens?
e) Qual é a resolução?
f) Qual é a situação final?
Pedro
Malasartes e a Sopa de Pedras
Pedro Malasartes, um caipira
danado de esperto, estava morto de fome e sem dinheiro algum. Precisava
arranjar alguma ocupação que lhe desse o dinheiro suficiente para conseguir
comprar comida.
Cansado de perambular em Porrete Armado, o nome do lugarejo em que se
encontrava, decidiu parar e descansar na porta de um pequeno armazém de secos e
molhados; desses encontrados no interior e onde é possível comprar de tudo que
se pode imaginar.
Pegou sua viola e começou a cantar uma moda, na esperança de que alguém lhe
desse alguns trocados. Mas além de nada conseguir, os fregueses que bebiam no
balcão quase o expulsaram por “incomodar” sua conversa. Eles conversavam sobre
uma senhora, Dona Agromelsilda, moradora da região e que era conhecida por sua
excessiva avareza.
A conversa caminhava assim:
- Gente, vocês não imaginam
como é “unha de fome” aquela Dona Agromelsilda, que mora para os lados do
estradão da Grota Funda!
Disse o dono do armazém.
Disse o dono do armazém.
- Unha de fome é pouco! Aquela
velha é capaz de não comer banana só pra não ter que jogar a casca fora.
Completou o segundo, um dos fregueses que bebiam na venda.
Um terceiro freguês afirmou:
-Aquela velha é tão “pão dura” que nem comida para os coitados dos cachorros
ela dá. Os bichinhos estão todos passando fome. Magros, magros de dar dó. Acho
até que o estômago deles já encostou nas costelas.
-Está para nascer o homem que
conseguira tirar alguma coisa daquela velha. Duvido que alguém consiga esta
proeza.
-Nunca vi coisa assim nesses
anos que moro aqui em Porrete Armado. E olha que eu já vi coisas com esses
olhos que a terra há de comer. Terminou o dono do armazém.
Pedro decidiu que era hora de agir, se quisesse comer e ganhar algum dinheiro.
Era hora também, de dar uma lição naquela velha que o tratara mal da outra vez
em que passara por Porrete Armado. Dona Agromelsilda era conhecida pelos seus
péssimos modos com as pessoas e acima de tudo por ser muquirana até o último
fio de cabelo. Pedro disse:
-Eu aposto oque vocês quiserem
como pra mim a velha vai dar alguma coisa de bom grado. E mais ainda: Ela mesma
é quem vem aqui contar que me encheu de presentes.
-Você esta ficando doido Pedro
Malasartes? Aquela velha, além de não dar nada para ninguém, também anda armada
com uma baita de uma espingarda. Disse o dono do armazém.
-Não se preocupe com isso que
é problema meu e eu sei como resolver; disse o Pedro. –Mas, se vocês duvidam do
que eu disse, porque não apostam comigo, como ela vai me encher de presentes e
vem aqui contar para vocês?
O dono do armazém, rindo muito, respondeu:
-Se você conseguir esta
proeza, com a velha lhe dando presentes e vindo aqui contar para nós, te dou
todo o dinheiro que eu ganhar numa semana de trabalho.
Os outros dois fregueses, animados com a aposta “jogaram lenha na fogueira” e
provocando Pedro Malasartes disseram:
-Nós dois também apostamos
nossos ganhos da semana. Temos certeza de que a velha nem vai querer conversa
com você. Muito menos te dar algo. Mas se conseguir ganhar e fazer com que ela
venha nos contar, você ganha o dinheiro que nós conseguirmos nesta semana.
Uma dúvida, porém, surgiu e o dono do armazém, o mais malandro dos três queria
saber:
-Seu Pedro Malasartes, você
ganhara nosso dinheiro de uma semana de serviço se conseguir que a velha lhe dê
presentes e venha nos contar aqui no armazém, mas se você não conseguir oque
nós três ganharemos? Pelo que sabemos você não tem nenhum dinheiro. Vai apostar
oque?
Pedro muito convicto e com certeza da vitória, respondeu:
-Eu trabalharei de graça para
vocês três. Uma semana na fazenda de um, outra semana na fazenda de outro e por
fim uma semana em seu armazém. Combinado?
-Combinado. Responderam os
três.
Pedro tratou de arranjar um panelão fundo, uma sacola, mais algumas coisinhas e
partiu para a casa da velha a toda velocidade. Para ganhar uma aposta o
malandro não poupava esforços e nem tinha preguiça.
Chegando
perto da porteira da casa da velha, que morava numa enorme fazenda, Pedro fez
um bom fogo, encheu o panelão com a água do riacho, e juntando muitas pedras do
chão, jogou-as na água. Depois ficou de olho no movimento da casa de Dona
Agromelsilda.
Quando
a velha abriu a janela do quarto e viu Pedro fazendo aquele fogareiro, na
frente de sua fazenda, pensou:
-Mas oque será que aquele
doido esta fazendo na entrada das minhas terras? Vou lá ver.
Chegando
ao local em que Pedro estava, perguntou muito irritada:
-Será que dá para o senhor explicar oque esta pensando em fazer com todo este
fogo na frente da porteira de minha fazenda?
Pedro
que estava de rabo de olho na velha, nem ligou para a malcriação e respondeu
todo educado:
-Boa tarde minha Vó? Tudo bom com a senhora? Estou preparando uma deliciosa
sopa de pedras.
-Sopa de pedras? Respondeu a velha.
-Isso mesmo. Uma deliciosa sopa de pedras, receita de minha finada mãe.
-E fica boa?
-Boa? Fica muito boa!
A
Velha, sovina como era, pensou em tirar proveito. Pois se a sopa ficasse boa
mesmo e com a quantidade de pedras que tinha em suas terras, certamente não
teria mais despesas com comida, pois comeria diversos pratos de pedra, que ela criaria:
Pedra assada, pedra frita, pedra cozida, pedra ralada, pedra refogada, pedra
ensopada, escondidinho de pedra, pedra, pedra, pedra...
Fingindo-se
muito educada a velha pediu:
-Meu filho, quando terminar você dá um pouco para eu experimentar?
-Claro minha Vó.
Assim,
Pedro tratou de jogar mais lenha na fogueira e deixou as pedras cozinharem.
Passada
uma hora:
- O meu filho: Essa sopa sai ou não sai?
-Claro que sai minha Vó. Daqui a pouco esta prontinha. É que leva um tempo para
cozinhar direitinho as pedras. Mas se a senhora tivesse uns legumes para
colocar na sopa ela ficava melhor ainda. Umas cenouras, umas batatas, umas
mandioquinhas, umas abobrinhas, umas beterrabas...
A velha faminta como estava, nem pensou duas vezes e disse:
-Eu tenho estes legumes todos
na horta de casa. Espere um pouco, que eu já volto. E tratou de entrar em casa
para colher os legumes pedidos pelo Pedro.
Pedro pensou:
-Ela caiu direitinho.
Minutos depois lá estava a velha:
-Pronto meu filho. Este tanto
dá?
-Dá minha Vó.
Pedro, recolheu os legumes que a velha trouxe. Colocou metade de tudo em sua
sacola e a outra metade na sopa.
Passada mais uma hora, a velha com mais fome, perguntou:
-Mas meu filho, esta sopa sai
ou não sai?
-Tá saindo minha Vó. Tá
saindo. Mas a sopa ficaria tão boa se tivesse uma linguiça defumada, um paio e
uma carninha seca para colocar.
A velha ansiosa disse:
-Eu tenho tudo isso em casa.
Vou lá buscar. E tratou de buscar tudo que foi pedido.
Quando voltou entregou ao Pedro que, novamente, separou dois montes, colocando
metade na sopa e outra metade em sua sacola.
Mais uma hora e a velha já estava verde de fome, quase desmaiando. Isso sem
falar na fazenda que estava na maior bagunça com as vacas sem ordenha, os
bezerros sem leite, as galinhas sem os ovos recolhidos.
A velha então perguntou:
-Menino! Esta sopa não fica
pronta nunca?
-Tá quase minha Vó. Se a
senhora tivesse uns temperos ficaria melhor ainda. Um pouco de sal, pimenta do
reino, alho, azeite, açafrão, coloral, cheiro verde, cebolinha...
Lá foi a velha buscar os temperos pedidos.
Quando voltou, tudo se repetiu: Metade foi para a sopa e metade foi para a
sacola do Pedro.
Depois de mais uma hora, com a velha quase desmaiando:
-Meu filho, se esta sopa não
sair agora eu desmaio de fome!
-Tá prontinha minha vó. A
senhora tem uns pratos para poder servir?
A velha saiu como um raio para dentro da casa e mais rápido ainda voltou com os
pratos e colheres.
Pedro pegou o prato da velha e encheu de pedras. Quanto ao seu prato, colocou
as partes boas da sopa e poucas pedras. Sentou num canto e quando foi comer uma
colherada de pedras de seu prato, jogou todas elas fora.
A velha que estava tentando mastigar as pedras, quase quebrando os dentes, não
acreditou no que viu o Pedro fazer. Então perguntou:
-Meu filho, você não vai comer
as pedras não?
E Pedro, que já havia planejado isto também, respondeu com a maior cara de pau:
-Comer pedra minha Vó? Tá
doida é? Se eu comer estas pedras todas vou acabar quebrando os dentes.
Ao dizer isto pegou sua sacola, com as coisas dadas pela velha, e saiu fugindo
sem olhar para traz, pois ouvia os berros indignados dela correndo atrás do
malandro.
Quando chegou ao armazém, os três amigos da aposta não acreditaram na história
de Pedro. Só tiveram a confirmação de tudo que o Pedro dissera, quando a velha
chegou ao armazém contando que dera para Pedro uma porção de coisas para fazer
uma sopa de pedras, mas que era na verdade uma sopa de legumes com os
ingredientes que ela colheu de sua horta e pertences de sua casa.
Assim que a velha saiu, Pedro cobrou a aposta e tratou de se mandar.
Dizem que esta andando pelo mundo até hoje, aprontando e dando golpes nos que
tentam enganá-lo.

MALASARTES
E O PASSARINHO
_________________________________________________
Histórias de Pedro Malasarte
Malasartes ia andando quando lhe deu
uma tremenda dor de barriga. Agachou-se no meio da estrada e ali fez. Nisto
avistou um senhor que andava caçando. Malasartes tirou o chapéu e colocou-o
sobre o que havia feito.
O senhor quando se aproximou
perguntou-lhe:
— Que está fazendo ai a segurar nesse
chapéu com tanto cuidado?
— É um lindo passarinho que apanhei
debaixo do chapéu. Canta que dá um gosto. E eu não quero perdê-lo. Estou à
espera de alguém que queira tomar conta dele, enquanto vou buscar uma gaiola.
O homem ficou muito curioso de ver o
canário, pois era grande apreciador de pássaros cantadores. Propôs comprá-lo,
mas com a condição de Malasartes ir buscar a gaiola.
Pedro, depois de muitas negociações
fechou o negócio por bom dinheiro e deixou o comprador a tomar conta do
passarinho, e foi buscar a gaiola. O tempo ia passando e Malasartes não
voltava. Então o homem, já impaciente tomou a decisão de apanhar o pássaro com
a mão e levá-lo para casa. Com toda a cautela, meteu a mão debaixo do chapéu e,
quando pensou que pegava o canário, agarrou uma coisa muito diferente.
Louco de raiva soltou muitas pragas
enquanto Pedro já estava muito distante e se divertindo à custa do trouxa.
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