domingo, 28 de agosto de 2016

textos diversos gênero causos

Gênero Causos
O povo mineiro tem a fama de ser bom contador de causos, histórias que nem sempre é possível comprovar se são verdadeiras - e aí reside o encanto delas. Saborosas, fantásticas, às vezes amedrontadoras, às vezes engraçadas, e passadas de geração em geração, elas são contadas por vozes que, com sotaque e expressões interioranas, entonação e ritmo certos, capturam a atenção. 

O caso do espelho
Ilustração: Alarcão
Ilustração: Alarcão
Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata.

Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:

- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?

- Isso é um espelho - explicou o dono da loja.

- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.

Os olhos do homem ficaram molhados.

- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante.

O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira.

- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?

O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho

Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.

A mulher ficou só olhando.

No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.

- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!

- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.

- Que foi isso, mulher?

- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?

- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.

- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!

O homem não estava entendendo nada.

- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:

- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?

A discussão fervia feito água na chaleira.

- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.

A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.

- Que é isso, menina?

- Aquele cafajeste arranjou outra!

- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.

- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato.

Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.

- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!

E completou, feliz, abraçando a filha:

- Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!
Conto popular recontado por Ricardo Azevedo, ilustrado por Alarcão
Análise da transcrição de um causo
O gênero tem valor não só para a tradição oral.
Ilustração: Luda
"Pessoar ... condo o assunto é lobisomi ... Cêis sabe cumo são as coisa, né? A gente condo vai fazer uma atividade pra tentá discubrir quem é o lobisomi, num podi alarido. Então ... tava teno lobisomi lá em casa ... condo a gente era pititico. E quem era olobisomi? Ninguém sabia.  meu pai disse assim eu voupegá esse miserável. Na cabeça dele, ele fez um dispositivo no galinheiro e o galinheiro era coberto. Num dava pra sair por cima, né? Era tela. Na hora que o lobisomi entrô, ele ficô preso lá dentro. Aí gente, gente du céu... Cêis num faz ideia quem era o tar do lobisomi ... Era o Luizão, marido da minha irmã. É, era ele o lobisomi, gente ... E aí, como é que ia fazê? Meu pai fez de tudo para ele conseguir escapar sem que arguém discubrisse o que haviaacuntecido e sem que o Luizão discubrisse que meu pai soubesse tamém ... E assim foi feito. O Luizão conseguiu fugir... Tava lá peladão, porque ele disvirouné? Aí, vortou meio chatiadão, meio injuriado ... Na próxima sexta-feira, meu pai falou, te pego! Aí meu pai saiu atrais dele ... Ele chegou num lugar e tirô toda roupa ... Espojô no chão ... E já saiu virado lobisomi ... E meu pai foi lá e carmamente e deu nó em todas as mangas de camisa, perna da carça e deu nó em tudo, que é simpatia pro caboclo nunca mais vortá avortá a ser lobisomi. Hoje ele é um homi bão, trabaiadô.. Nunca mais virô lobisomi. Acredite se quisé. Ocorreu na nossa famia."

termos informais 

marcadores de fala 

pausas na narração 

falas de um personagem 

conjugações verbais 

- Como substituir os termos repetidos que prejudicam o desenrolar do causo? 

- Quais palavras empregadas por escritores podem ser usadas para melhorar os causos sem descaracterizá-los? 

- É preciso reordenar os parágrafos para que a produção ganhe coerência? 

- Quais marcas de oralidade devem ser mantidas para não alterar o que foi contado e quais são desnecessárias? 

- O que é mais adequado: escrever o texto em primeira pessoa, representando quem contou o causo, ou em terceira pessoa, considerando um narrador? 

Denise também enfatiza a importância de tomar decisões que têm a ver com os leitores: eles compreenderão termos e expressões regionais? Qual a necessidade de organizar um glossário? 
TEXTO - CAUSO

O contador de causo

Se depender de Seu Ico, saci existe, ara

  Era um matuto dos bons e vivia num rancho do Rio Pardo, perto de Cajuru. Seu Ico era o apelido dele. Acreditava em tudo que via e ouvia. E tinha opiniões muito firmes sobre coisas misteriosas. Adorava contar casos de assombração e outros bichos:
  - Fui numa caçada de veado no primeiro dia da quaresma! Ai ! ai! Ai! Num pode caçá na quaresma, mas eu num sabia. Aí apareceu a assombração! Arma penada do outro mundo. E os cachorro disparo. Foro tudo pro corgo pra modi fugi da bicha... Veado que é bão nem nu pensamento, pruque eis tamem pressintiru a penúria passanu ali tertu!
  - Mas era assombração mês Esse mundo é surtido!
  - Pois no mundo sortido do seu Ico também tinha saci!
  - Quando é o que o senhor viu saci, seu Ico?
  - Ara! Vi a famia toda, num foi um saci só... Tinha o saci, a sacia gravi, e os sacizim em riba da mãe, tudo,pulano numa perna
  - E o que eles fizeram ou disseram pro senhor?
  - Nada... O Saci cachaço inda ofereceu brasa pro meu paero. Gardicido! Eu disse... e entrei pra dentro modi num vê mais as tranquera...
  - E mula-sem-cabeça? Ah, seu Ico garante que existe:
  - Essa eu nunca vi, mas ouvi o rinchando dela umas par de veis... E otro que eu tamem vi foi o tar de lobisome! Ê bicho fei! Mais num feis nada...desvirô num cachorro preto e sumiu presse mundão de meu Deus. Agora, em um dia de prescaria, aparece muito é caboclo d'água. Um caboquim pretim e jeitado que mora dentro do rio...Ah, e tem que vê tamém o caapora. Bichu fei! E o curupira! Vichi Maria, é fei dimais, tem pé virado pa trais...
  - E com tudo isso o senhor ainda se arrisca a ir pro meio do mato, seu Ico?
  - Pois vô sem medo! Qué sabe? – Dá uma gargalhada rouca e faz um ar maroto. – Qual! Tenho muito, mais muito mais medo é de gente vivo!
                                                                                                                                                                                                                                                   Globo.com/caipira/

Trabalhando o texto

1) Qual a intenção do narrador ao fazer as perguntas abaixo?

-  Mas era assombração mesmo seu Ico?

- Quando é o que o senhor viu saci, seu Ico?

- E o que eles fizeram ou disseram pro senhor?

2) Além de mostrar ao leitor os causos de seu Ico, o narrador retrata- o como  uma personagem bem interiorana. Para isso foram usadas algumas expressões ou frases que identificam seu Ico como tal. Identifique- as.

3) Quais são os seres sobrenaturais criados por seu Ico?

4) Em um trecho do texto seu Ico faz referência a uma crendice popular que relaciona a um fato religioso. Qual é ela?

5) Explique o que seu Ico quis dizer com as seguintes falas a seguir.

a) Foro tudo pro corgo pra modi fugi da bicha...
b)... e os sacizim em riba da mãe, tudo pulano numa perna...
c) Gardicido! Eu disse...
d) “... Esse mundo é surtido!...

6) O falar caipira pode ser considerado errado? Por que?

7) No último parágrafo do texto o narrador descreve a expressão de seu Ico. Identifique-a.

AQUELE ESTRANHO ANIMAL - Mário Quintana - Valorizando a Literatura que é daqui!!!

AQUELE ESTRANHO ANIMAL
Mario Quintana

Os do Alegrete dizem que o causo se deu em Itaqui, os de Itaqui dizem que foi no Alegrete, outros juram que só poderia ter acontecido em Uruguaiana. Eu não afirmo nada: sou neutro.

Mas, pelo que me contaram, o primeiro automóvel que apareceu entre aquela brava indiada, eles o mataram a pau, pensando que fosse um bicho.

A história foi assim como já lhes conto, metade pelo que ouvi dizer, metade pelo o que inventei, e a outra metade pelo que sucedeu às deveras. Viram? É deixemos de filosofança e vamos ao que importa. A coisa foi assim, como eu tinha começado a lhes contar.

Ia um piazinho estrada fora no seu petiço – tropt, tropt, tropt (este é o barulho do trote) – quando de repente ouviu – fufufupubum! Fufufupubum chiiiipum!
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvLOHMWtn1kt8CmMEU4dvp9a4wgTBEDYEf0YskyBDk4NM8PdlenkawKSFBdyMjqFoKH4m-AaN5EfdCXy52myrfGRxMK6K17spyix7WsMgCP78ifK7qgfF4V4DHegCxUxol1J2qc2olGmtq/s1600/9998.jpg

E eis que a “coisa”, até então invisível, apontou por detrás de um capão, bufando que nem touro brigão, saltando que nem pipoca , se traqueando que nem velha coroca, chiando que nem chaleira derramada e largando fumo pelas ventas como a mula-sem-cabeça.

“Minha Nossa Senhora!”

O piazinho deu meio-volta e largou numa disparada louca rumo à cidade, com os olhos do tamanho de um pires e os dentes rilhando, mas bem cerrados para que o coração aos corcoveios não lhe saltasse pela boca.

É claro que o petiço ganhou luz do bicho, pois no tempo dos primeiros autos eles perdiam para qualquer matungo.

Chegando que foi, o piazinho contou a história como pôde, mal e mal e depressa, que o tempo era pouco e não dava para maiores explicações, pois já ouvia o barulho do bicho que se aproximava.

Pois bem, minha gente: quando este apareceu na entrada da cidade, caiu aquele montão de povo em cima dele, os homens uns com porretes, outros com garruchas que nem tinham tido tempo para carregar de pólvora, outros com boleadeiras, mas todos de a pé, porque também nem houvera tempo para montar, e as mulheres umas empunhando as suas vassouras, outras as suas pás de mexer marmelada, e os guris, de longe, se divertindo com os seus bodoques, cujos tiros iam acertar em cheio nas costas dos combatentes. E tudo abaixo de gritos e pragas que nem lhes posso repetir aqui.

O povo se afastou, resfolegante, e abriu-se uma clareira, no meio da qual se viu o auto emborcado, amassado, quebrado, escangalhado, e não digo que morto, porque as rodas ainda giravam no ar, nos últimos transes de uma teimosa agonia. E quando as rodas pararam, as pobres, eis que o motorista milagrosamente salvo, saiu penosamente engatinhando por debaixo dos escombros de seu ex-automóvel.

- A la pucha! – exclamou então um guasca, entre espantado e penalizado – o animal deu cria!

A LINGUAGEM DO TEXTO 

Este texto de Mário Quintana é repleto de palavras e expressões típicas da nossa região - o Rio Grande do Sul. Vamos construir  um pequeno dicionário para esclarecer o que essa palavras signifIcam.

Acesse os links abaixo para auxiliá-lo no seu trabalho. Pesquise as palavras que estão destacadas no texto, organizando-as em ordem alfabética e informando o seu significado.



ATIVIDADES DE INTERPRETAÇÃO

1) Sobre o que é o "causo" contado pelo narrador?

2) De acordo com o texto, é possível afirmar com certeza onde esse causo aconteceu? Justifique com trechos do texto.

3) Com o que eles confundiram o automóvel que apareceu na região?

4) Com o que o carro é comparado no 5º parágrafo?

5) O que as pessoas usaram para "combater" o "bicho" que chegara na cidade?

6) O que você acha que o narrador quis dizer com a expressão 'E tudo abaixo de gritos e pragas que nem lhes posso repetir aqui."?

7) Por que alguém exclamou " - o animal deu cria!"?

8) Há, no texto, a representação escrita de dois sons (onomatopeias). Quais são e o som de que representam?

9) O narrador do texto é narrador-personagem ou narrador-observador? Por quê?

10) Em relação ao texto lido, responda:
a) Qual é o enredo do texto?
b) Qual é a situação inicial?
c) Qual é a complicação que surge?
d) Qual é a dinâmica de ações dos personagens?
e) Qual é a resolução?
f) Qual é a situação final?






Pedro Malasartes e a Sopa de Pedras


         Pedro Malasartes, um caipira danado de esperto, estava morto de fome e sem dinheiro algum. Precisava arranjar alguma ocupação que lhe desse o dinheiro suficiente para conseguir comprar comida.
         Cansado de perambular em Porrete Armado, o nome do lugarejo em que se encontrava, decidiu parar e descansar na porta de um pequeno armazém de secos e molhados; desses encontrados no interior e onde é possível comprar de tudo que se pode imaginar.
         Pegou sua viola e começou a cantar uma moda, na esperança de que alguém lhe desse alguns trocados. Mas além de nada conseguir, os fregueses que bebiam no balcão quase o expulsaram por “incomodar” sua conversa. Eles conversavam sobre uma senhora, Dona Agromelsilda, moradora da região e que era conhecida por sua excessiva avareza.
         A conversa caminhava assim:
                  - Gente, vocês não imaginam como é “unha de fome” aquela Dona Agromelsilda, que mora para os lados do estradão da Grota Funda! 
Disse o dono do armazém.
                  - Unha de fome é pouco! Aquela velha é capaz de não comer banana só pra não ter que jogar a casca fora. Completou o segundo, um dos fregueses que bebiam na venda.
         Um terceiro freguês afirmou:
                   -Aquela velha é tão “pão dura” que nem comida para os coitados dos cachorros ela dá. Os bichinhos estão todos passando fome. Magros, magros de dar dó. Acho até que o estômago deles já encostou nas costelas.
                  -Está para nascer o homem que conseguira tirar alguma coisa daquela velha. Duvido que alguém consiga esta proeza.
                  -Nunca vi coisa assim nesses anos que moro aqui em Porrete Armado. E olha que eu já vi coisas com esses olhos que a terra há de comer. Terminou o dono do armazém.
         Pedro decidiu que era hora de agir, se quisesse comer e ganhar algum dinheiro. Era hora também, de dar uma lição naquela velha que o tratara mal da outra vez em que passara por Porrete Armado. Dona Agromelsilda era conhecida pelos seus péssimos modos com as pessoas e acima de tudo por ser muquirana até o último fio de cabelo. Pedro disse:
                  -Eu aposto oque vocês quiserem como pra mim a velha vai dar alguma coisa de bom grado. E mais ainda: Ela mesma é quem vem aqui contar que me encheu de presentes.
                  -Você esta ficando doido Pedro Malasartes? Aquela velha, além de não dar nada para ninguém, também anda armada com uma baita de uma espingarda. Disse o dono do armazém.
                  -Não se preocupe com isso que é problema meu e eu sei como resolver; disse o Pedro. –Mas, se vocês duvidam do que eu disse, porque não apostam comigo, como ela vai me encher de presentes e vem aqui contar para vocês?
         O dono do armazém, rindo muito, respondeu:
                  -Se você conseguir esta proeza, com a velha lhe dando presentes e vindo aqui contar para nós, te dou todo o dinheiro que eu ganhar numa semana de trabalho.
         Os outros dois fregueses, animados com a aposta “jogaram lenha na fogueira” e provocando Pedro Malasartes disseram:
                  -Nós dois também apostamos nossos ganhos da semana. Temos certeza de que a velha nem vai querer conversa com você. Muito menos te dar algo. Mas se conseguir ganhar e fazer com que ela venha nos contar, você ganha o dinheiro que nós conseguirmos nesta semana.
         Uma dúvida, porém, surgiu e o dono do armazém, o mais malandro dos três queria saber:
                  -Seu Pedro Malasartes, você ganhara nosso dinheiro de uma semana de serviço se conseguir que a velha lhe dê presentes e venha nos contar aqui no armazém, mas se você não conseguir oque nós três ganharemos? Pelo que sabemos você não tem nenhum dinheiro. Vai apostar oque?
         Pedro muito convicto e com certeza da vitória, respondeu:
                  -Eu trabalharei de graça para vocês três. Uma semana na fazenda de um, outra semana na fazenda de outro e por fim uma semana em seu armazém. Combinado?
                  -Combinado. Responderam os três.
         Pedro tratou de arranjar um panelão fundo, uma sacola, mais algumas coisinhas e partiu para a casa da velha a toda velocidade. Para ganhar uma aposta o malandro não poupava esforços e nem tinha preguiça.
Chegando perto da porteira da casa da velha, que morava numa enorme fazenda, Pedro fez um bom fogo, encheu o panelão com a água do riacho, e juntando muitas pedras do chão, jogou-as na água. Depois ficou de olho no movimento da casa de Dona Agromelsilda.
Quando a velha abriu a janela do quarto e viu Pedro fazendo aquele fogareiro, na frente de sua fazenda, pensou:
                  -Mas oque será que aquele doido esta fazendo na entrada das minhas terras? Vou lá ver.
Chegando ao local em que Pedro estava, perguntou muito irritada:
         -Será que dá para o senhor explicar oque esta pensando em fazer com todo este fogo na frente da porteira de minha fazenda?
Pedro que estava de rabo de olho na velha, nem ligou para a malcriação e respondeu todo educado:
         -Boa tarde minha Vó? Tudo bom com a senhora? Estou preparando uma deliciosa sopa de pedras.
         -Sopa de pedras? Respondeu a velha.
         -Isso mesmo. Uma deliciosa sopa de pedras, receita de minha finada mãe.
         -E fica boa?
         -Boa? Fica muito boa!
A Velha, sovina como era, pensou em tirar proveito. Pois se a sopa ficasse boa mesmo e com a quantidade de pedras que tinha em suas terras, certamente não teria mais despesas com comida, pois comeria diversos pratos de pedra, que ela criaria: Pedra assada, pedra frita, pedra cozida, pedra ralada, pedra refogada, pedra ensopada, escondidinho de pedra, pedra, pedra, pedra...
Fingindo-se muito educada a velha pediu:
         -Meu filho, quando terminar você dá um pouco para eu experimentar?
         -Claro minha Vó.
Assim, Pedro tratou de jogar mais lenha na fogueira e deixou as pedras cozinharem.
Passada uma hora:
         - O meu filho: Essa sopa sai ou não sai?
         -Claro que sai minha Vó. Daqui a pouco esta prontinha. É que leva um tempo para cozinhar direitinho as pedras. Mas se a senhora tivesse uns legumes para colocar na sopa ela ficava melhor ainda. Umas cenouras, umas batatas, umas mandioquinhas, umas abobrinhas, umas beterrabas...
         A velha faminta como estava, nem pensou duas vezes e disse:
                  -Eu tenho estes legumes todos na horta de casa. Espere um pouco, que eu já volto. E tratou de entrar em casa para colher os legumes pedidos pelo Pedro.
         Pedro pensou:
                  -Ela caiu direitinho.
         Minutos depois lá estava a velha:
                  -Pronto meu filho. Este tanto dá?
                  -Dá minha Vó.
         Pedro, recolheu os legumes que a velha trouxe. Colocou metade de tudo em sua sacola e a outra metade na sopa.
         Passada mais uma hora, a velha com mais fome, perguntou:
                  -Mas meu filho, esta sopa sai ou não sai?
                  -Tá saindo minha Vó. Tá saindo. Mas a sopa ficaria tão boa se tivesse uma linguiça defumada, um paio e uma carninha seca para colocar.
         A velha ansiosa disse:
                  -Eu tenho tudo isso em casa. Vou lá buscar. E tratou de buscar tudo que foi pedido.
         Quando voltou entregou ao Pedro que, novamente, separou dois montes, colocando metade na sopa e outra metade em sua sacola.
         Mais uma hora e a velha já estava verde de fome, quase desmaiando. Isso sem falar na fazenda que estava na maior bagunça com as vacas sem ordenha, os bezerros sem leite, as galinhas sem os ovos recolhidos.
         A velha então perguntou:
                  -Menino! Esta sopa não fica pronta nunca?
                  -Tá quase minha Vó. Se a senhora tivesse uns temperos ficaria melhor ainda. Um pouco de sal, pimenta do reino, alho, azeite, açafrão, coloral, cheiro verde, cebolinha...
         Lá foi a velha buscar os temperos pedidos.
         Quando voltou, tudo se repetiu: Metade foi para a sopa e metade foi para a sacola do Pedro.
         Depois de mais uma hora, com a velha quase desmaiando:
                  -Meu filho, se esta sopa não sair agora eu desmaio de fome!
                  -Tá prontinha minha vó. A senhora tem uns pratos para poder servir?
         A velha saiu como um raio para dentro da casa e mais rápido ainda voltou com os pratos e colheres.
         Pedro pegou o prato da velha e encheu de pedras. Quanto ao seu prato, colocou as partes boas da sopa e poucas pedras. Sentou num canto e quando foi comer uma colherada de pedras de seu prato, jogou todas elas fora.
         A velha que estava tentando mastigar as pedras, quase quebrando os dentes, não acreditou no que viu o Pedro fazer. Então perguntou:
                  -Meu filho, você não vai comer as pedras não?
         E Pedro, que já havia planejado isto também, respondeu com a maior cara de pau:
                  -Comer pedra minha Vó? Tá doida é? Se eu comer estas pedras todas vou acabar quebrando os dentes.
         Ao dizer isto pegou sua sacola, com as coisas dadas pela velha, e saiu fugindo sem olhar para traz, pois ouvia os berros indignados dela correndo atrás do malandro.
         Quando chegou ao armazém, os três amigos da aposta não acreditaram na história de Pedro. Só tiveram a confirmação de tudo que o Pedro dissera, quando a velha chegou ao armazém contando que dera para Pedro uma porção de coisas para fazer uma sopa de pedras, mas que era na verdade uma sopa de legumes com os ingredientes que ela colheu de sua horta e pertences de sua casa.
         Assim que a velha saiu, Pedro cobrou a aposta e tratou de se mandar.
         Dizem que esta andando pelo mundo até hoje, aprontando e dando golpes nos que tentam enganá-lo.


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MALASARTES E O PASSARINHO
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Histórias de Pedro Malasarte
Malasartes ia andando quando lhe deu uma tremenda dor de barriga. Agachou-se no meio da estrada e ali fez. Nisto avistou um senhor que andava caçando. Malasartes tirou o chapéu e colocou-o sobre o que havia feito.
O senhor quando se aproximou perguntou-lhe:
— Que está fazendo ai a segurar nesse chapéu com tanto cuidado?
— É um lindo passarinho que apanhei debaixo do chapéu. Canta que dá um gosto. E eu não quero perdê-lo. Estou à espera de alguém que queira tomar conta dele, enquanto vou buscar uma gaiola.
O homem ficou muito curioso de ver o canário, pois era grande apreciador de pássaros cantadores. Propôs comprá-lo, mas com a condição de Malasartes ir buscar a gaiola.
Pedro, depois de muitas negociações fechou o negócio por bom dinheiro e deixou o comprador a tomar conta do passarinho, e foi buscar a gaiola. O tempo ia passando e Malasartes não voltava. Então o homem, já impaciente tomou a decisão de apanhar o pássaro com a mão e levá-lo para casa. Com toda a cautela, meteu a mão debaixo do chapéu e, quando pensou que pegava o canário, agarrou uma coisa muito diferente.
Louco de raiva soltou muitas pragas enquanto Pedro já estava muito distante e se divertindo à custa do trouxa.




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